Por Eduardo Alvim
Governo federal lança o programa “Desenrola Brasil” com o objetivo de beneficiar cerca de 30 milhões de pessoas, buscando auxiliar aqueles endividados. A iniciativa tem início com a desnegativação de dívidas de até R$ 100,00 e a renegociação de dívidas bancárias.
A lógica do programa suscita perguntas importantes: por que e como isso vai acontecer? É crucial entender os detalhes por trás dessa proposta, uma vez que muitos têm se dedicado apenas a divulgar o programa, bajular políticos e atrair cliques, visando benefícios financeiros como assessores informais do governo.
Um ponto relevante a considerar é porque nenhum político havia implementado essa medida anteriormente, e por que os bancos não realizavam renegociações antes. Se é uma possibilidade viável, o que foi adicionado agora para tornar o programa diferente? A resposta está na garantia oferecida pelo fundo garantidor de operações, que assume o risco das renegociações, possibilitando que os bancos não operem sob o risco de tratar com CPFs de baixo histórico de crédito, negativação, baixo score no SPC e Serasa.
Contudo, é importante ressaltar que, no fim das contas, você, que lê essa coluna será responsável pelo pagamento das dívidas. E, apesar da expectativa de que tudo se resolverá, existe um problema clássico: o estado confia aos responsáveis a tarefa de resolver os problemas dos irresponsáveis, sem fornecer incentivos para que estes mudem suas atitudes. Encaremos a dura verdade, não vai dar certo.
Na presente coluna, abordarei alguns fatos essenciais que, se não forem devidamente enfrentados, tornarão programas como o “Desenrola Brasil” pouco efetivos na solução do problema da inadimplência em nosso país
Para exemplificar a questão das dívidas e incentivos, podemos olhar para uma medida semelhante implementada pelo governo Bolsonaro no passado, como ocorreu com o programa de Financiamento Estudantil (Fies), no qual foi concedido um abatimento de até 92% das dívidas de crédito estudantil. Entretanto, dos quase 1,9 milhão de ex-estudantes que já estão na fase de pagamento das parcelas, conhecida como amortização, 53% encontram-se com a dívida atrasada há mais de três meses. Diante desse histórico, é válido questionar quais serão os incentivos para que as pessoas que aderiram ao programa honrem seus pagamentos até o final. Além disso, surge a curiosidade sobre a inadimplência que o Desenrola Brasil poderá enfrentar daqui um, dois ou três anos.
Neste contexto, é difícil determinar o pior aspecto do programa “Desenrola Brasil”: são os incentivos negativos? as consequências ou o fato de que ele não parece resolver o problema básico de forma efetiva? A falta de direitos de propriedade na capacidade de cobrar e recuperar uma dívida é uma questão séria no Brasil. A facilidade com que um indivíduo pode dar calote é exacerbada pela escassez de meios adequados para cobrar uma dívida, o que permite que muitos não honrem seus compromissos sem enfrentar consequências significativas.
De acordo com dados do Banco Mundial, o Brasil é considerado a “terra do calote”, pois recupera apenas 18 centavos a cada dólar devido, uma taxa semelhante a países como Mongólia e Zimbábue, contrastando com os EUA e Reino Unido, que recuperam 80 e 85 centavos, respectivamente. As consequências no Brasil são praticamente inexistentes ou facilmente contornáveis. Até mesmo ações legais para congelar uma conta são lentas e, em muitos casos, não vale o esforço, especialmente quando o valor da dívida é baixo. Além disso, o nome no Serasa é contornável, já que algumas pessoas tomam empréstimos em nome de terceiros e adiam o problema, aguardando o prazo de cinco anos após o qual a negativação é removida, sem enfrentar consequências reais.
Políticos populistas frequentemente apresentam ideias “geniais” em campanhas eleitorais, como a proposta de tabelar os juros de cartão de crédito. No entanto, é importante compreender que os juros são elevados justamente devido à alta inadimplência, e não há uma solução simples para esse problema. Aqueles que pagam suas dívidas acabam subsidiando aqueles que não pagam. “Não existe almoço grátis” não é mesmo Milton?
Se a inadimplência fosse menor, os juros poderiam ser reduzidos, mas se os bancos sofrem prejuízo, por que assumiriam o risco de emprestar dinheiro? Ao forçar uma redução nas taxas de juros, poderia levar a uma situação onde apenas os mais ricos teriam acesso ao cartão de crédito, devido à rigorosidade das análises de crédito e às garantias exigidas.
Outro fator relevante é a histórica convivência do brasileiro com a alta inflação, que deixou uma marca duradoura na psique das pessoas. A política monetária perversa de expansão do crédito e bolhas de crédito tem efeitos indiretos e nefastos, afetando áreas que podem não ser perceptíveis em uma análise inicial.
A taxa de juros em torno de 2% ao mês (raramente abaixo disso), presente desde os anos 30 até a década de 80, tornou-se parte da mentalidade das pessoas. A cultura de poupar foi enfraquecida, uma vez que guardar dinheiro se tornou uma tarefa difícil com a constante desvalorização da moeda. Ao longo do tempo, apenas aqueles que tinham condições de adquirir bens como terras foram capazes de poupar efetivamente. Esse processo, baseado em princípios de oferta e demanda, eleva o custo do crédito disponível para a população, resultando em uma inadimplência crescente e, consequentemente, aumentando a taxa de juros.
É importante mencionar que o maior tomador de crédito no país é o próprio estado, através da dívida pública, que é financiada por recursos que poderiam ser investidos em outras áreas produtivas da economia. Esse processo limita o crédito disponível para a população em geral e as empresas, que acabam tendo que pagar taxas mais altas.
Quando o governo aumenta seus gastos e déficits, elevando sua dívida, todos acabam pagando o preço ao buscar crédito no mercado. Esse ciclo de inflação, falta de poupança, baixa oferta de crédito, dívida pública e gastos governamentais irresponsáveis contribui para uma população inadimplente e cria um ambiente propício para políticas desastrosas, como o programa “Desenrola Brasil”. Essa realidade pode abrir caminho para abordagens socialistas, que podem agravar ainda mais os problemas econômicos do país.
De fato, um fator crucial nessa equação é a realidade econômica do Brasil como um país com baixa renda média. É evidente que pessoas com rendimentos e salários limitados, muitas vezes na faixa de sobrevivência, enfrentam dificuldades ao lidar com suas dívidas. Para ilustrar esse ponto, podemos recorrer a uma estatística relevante que ajuda a contextualizar a situação: o salário médio no país.
Atualmente, o salário médio é de aproximadamente R$2.540,00, enquanto há uma década, era de R$1.943,00. Considerando que a inflação acumulada nesse período foi em torno de 90%, o salário atual deveria ser cerca de R$3.702,00 para compensar a perda de poder de compra e manter as condições de pagamento das dívidas em níveis equivalentes. Essa disparidade entre a evolução do salário médio e a inflação representa uma preocupante diminuição do poder aquisitivo das famílias que conseguiram manter seus rendimentos na média ao longo desses 10 anos.
Embora seja verdade que diversos fatores além da inflação contribuam para a manutenção da baixa média salarial, é inegável que o custo do crédito exerce pressão sobre um dos principais motores que poderiam impulsionar um aumento salarial mais robusto: a criação de empregos bem remunerados.
A restrição ao crédito dificulta o acesso das empresas a recursos para expansão e investimentos, impactando diretamente na geração de novos cargos com salários mais altos. Essa situação, somada a outros desafios econômicos, contribui para manter a média salarial baixa no país. Em última análise, o custo do crédito pode ser visto como um elemento que mina a possibilidade de um aumento mais significativo da média salarial, prejudicando a capacidade de muitos brasileiros de lidarem de forma saudável com suas dívidas e melhorarem suas condições financeiras.
“Ridículo. Não há outra definição a um projeto que determina a obrigatoriedade de educação financeira nas escolas públicas. O problema das famílias gaúchas de baixa renda é de falta de dinheiro, não de administração financeira. Dei meu voto contra essa proposta constrangedora.” dEPUTADA LUCIANA GENRO sobre o projeto de lei de educação financeira nas escolas
O problema da falta de educação financeira no Brasil é um aspecto crítico que precisa ser abordado desde a infância para se ter um impacto a longo prazo. Infelizmente, algumas figuras políticas se opõem a iniciativas nesse sentido, como o projeto de lei no Rio Grande do Sul que propunha a obrigatoriedade de educação financeira nas escolas públicas. Essa resistência demonstra uma falta de compreensão sobre a importância dessa temática, pois a falta de administração financeira é um dos principais problemas enfrentados pelas famílias de baixa renda.
Enquanto nas escolas são ensinados conceitos sem conexão prática com a vida real, como morfologia vegetal, questões essenciais como entender o funcionamento de um cheque especial, calcular juros e lidar com economia doméstica são negligenciadas. A falta de conhecimento sobre esses temas leva a situações em que as pessoas se endividam sem entender as consequências disso.
Curiosamente, o Estado se exime da responsabilidade de fornecer educação financeira às pessoas, mas ao mesmo tempo impõe regulações que limitam outras formas de ensino e não permitem maior flexibilidade na grade curricular ou a prática do homeschooling. Isso restringe as opções dos cidadãos e os obriga a pagar por um sistema educacional muitas vezes ineficiente em abordar assuntos práticos que afetam diretamente suas vidas.
No contexto de um país pobre como o Brasil, onde o enriquecimento é um desafio, a questão do endividamento e da falta de poupança é ainda mais crítica. O programa “Desenrola Brasil” parece ser apenas um remendo temporário, uma medida para tentar desnegativar algumas pessoas e criar estatísticas favoráveis para a propaganda do governo.
Além disso, ao anunciar o programa de incentivo à compra de itens da Linha Branca, o governo parece estar mais interessado em beneficiar certos setores do mercado, como o setor varejista e os amigos do Rei que apoiaram o, como o Magazine Luiza, do que em resolver os problemas estruturais que levam à falta de poupança e ao alto endividamento. Essas ações apenas adiam a resolução dos problemas econômicos de maneira mais ampla e acabam sendo usadas para fins de propaganda política.
Toda essa situação pode alimentar uma visão simplista de que a culpa pela falta de prosperidade é de uma suposta “guerra de classes”, desviando a atenção das questões reais e importantes que precisam ser abordadas para criar um ambiente econômico mais saudável e sustentável no país.
EDUARDO ALVIM É UM ENTUSIASTA DA ESCOLA AUSTRÍACA DE ECONOMIA, QUE VALORIZA A LIBERDADE INDIVIDUAL, O LIVRE MERCADO E A NÃO INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA. ACREDITA QUE O BITCOIN É UM IMPERATIVO MORAL, POIS A AUTO CUSTODIA IMPEDE O FINANCIAMENTO DE GUERRAS, CONFLITOS E IMORALIDADES SEM O LIVRE CONSENTIMENTO DAS PESSOAS.