Saneamento: volta dos leilões em 2024 vai dobrar investimentos no setor

Só o BNDES tem 13 projetos em serviços de água e esgoto e dois de tratamento de resíduos sólidos em estruturação, com previsão de movimentarem R$ 77,3 bi, sem contar outorgas.

Uma nova rodada de investimentos bilionários em saneamento básico, via concessões ou parcerias público-privadas (PPPs), vai ser iniciada em 2024, dobrando os recursos contratados até agora pelo setor.

Só no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) há 13 projetos de saneamento e dois de tratamento de resíduos sólidos urbanos, em diferentes etapas de estruturação, que vão a leilão a partir do ano que vem. Representam cerca de R$ 77,3 bilhões em novos recursos no setor, sem contar as outorgas (valor pago ao poder público pela concessão), beneficiando cerca de 90 milhões de pessoas no país.

— Esse segundo ciclo de investimentos promete ser ainda mais pujante que o primeiro. Os projetos são regionalizados pelos estados, formando blocos maiores de municípios a serem atendidos, com tarifas que o usuário possa pagar. O primeiro leilão a abrir essa segunda rodada será o de Sergipe, com previsão para o primeiro trimestre de 2024 — diz Luciene Machado, superintendente de Estruturação de Projetos do BNDES.

De 2020 (quando foi estabelecido o marco legal do saneamento para ampliar a participação privada no setor) até o ano passado foram realizados 28 leilões em 17 estados, com investimentos contratados de R$ 66,9 bilhões, além de R$ 34,3 bilhões pagos em outorgas.

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Apetite para novos contratos

Pelo menos 31 milhões de pessoas em 586 cidades foram beneficiadas com serviços de água, coleta e tratamento de esgoto, mostra levantamento da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon). Este ano, com novos governos federal e estaduais e alterações no marco cogitadas, não houve leilões. Mas o setor se diz mais seguro para investir e que o apetite para novas concessões é grande.

— Este ano foi um momento de arrumação, mas em 2024 vai ser inaugurado um novo ciclo de projetos. E que ele possa voltar com vigor — diz Percy Soares Neto, diretor-executivo da Abcon Sindcon.

Municípios que optam por planejarem os investimentos para universalizar o saneamento avançam na frente. É o caso de Jundiaí, no interior de São Paulo. Toda a população local, de 440 mil habitantes, tem acesso à água e esgoto.

Marcos Eduardo Ganut, especialista em infraestrutura da consultoria A&M Infra, lembra que este ano começou turbulento com mudanças no marco legal propostas pelo presidente Lula, barradas no Congresso. Entre elas, estava a possibilidade de estatais prestarem serviços diretamente, sem necessidade de licitação, em casos de regionalização.

— Essa possibilidade gerou insegurança jurídica no setor privado. As mudanças propostas não aconteceram, e agora existe tranquilidade. Por isso, devemos ter a participação das grandes operadoras que já atuam no setor no Brasil e de novos entrantes. Existe uma oferta grande de projetos e haverá competição pelas melhores concessões — diz Ganut.

Para o consultor, os projetos em estruturação tendem a ser atrativos para os operadores porque mesclam áreas importantes de regiões metropolitanas com cidades pouco atendidas por esgotamento. Esse modelo, avalia Ganut, permite um retorno interessante aos investidores, quase como uma renda fixa, e leva dignidade e qualidade de vida a muitas cidades que estão há décadas sem solução para uma infraestrutura essencial.

No Norte e no Nordeste, há cidades com 99% de esgoto não tratado, correndo a céu aberto, diz o especialista, que chama a atenção para outro vilão a ser combatido com urgência: a perda de água: entre captação e distribuição há lugares no país com perda acima de 74%, como o Amapá. A média mundial fica entre 8% e 24%.

Soares Neto lembra que o novo marco regulatório prevê a universalização dos serviços de saneamento no país até 2033, mas com possível extensão do prazo até 2040, mediante autorização da agência reguladora local, nos casos em que não houver viabilidade econômico-financeira dos blocos licitados, mesmo com o agrupamento dos municípios.

Operadoras se preparam

A abertura do setor criou grandes operadoras no país, que se preparam para os novos leilões. Roberto Barbuti, presidente da Iguá, que atua em seis estados e venceu o bloco 2 de ativos da Cedae, no Rio, diz que a empresa está atenta aos projetos do BNDES de olho em cidades ou regiões com mais de 200 mil habitantes:

— Vendemos 11 das nossas 18 operações, mas que representavam apenas 6% do total, para justamente dar os próximos passos nas oportunidades que surgirem. Estamos nos mobilizando para participar.

No Rio (na Zona Oeste da capital, e em Miguel Pereira e Paty do Alferes, no Sul Fluminense), desde 2022, a Iguá já investiu R$ 247 milhões e contratou 3 mil pessoas. A empresa tem compromisso contratual de revitalizar o complexo lagunar da Barra e Jacarepaguá, na capital. Entre as ações de curto prazo, estão a recuperação das margens da Lagoa do Camorim e da Tijuca, onde planta 80 mil mudas de espécie nativa do manguezal.

Rogério Tavares, vice-presidente de Relações Institucionais da Aegea, presente em 13 estados e atendendo 30 milhões de pessoas, também diz que a empresa tem interesse em novas concessões e estuda todos os projetos, especialmente os das regiões Norte e Nordeste, pelo potencial:

— Há muita coisa a ser feita nessas regiões onde os déficts de distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto são maiores e onde se concentra a população mais vulnerável.

O Grupo Águas do Brasil informou que também está atento a oportunidades de concessões e PPPs estratégicas, incluindo os projetos do segundo ciclo em modelagem no BNDES. A BRK, que está em mais de cem cidades do país, não comentou.

Sabesp tem modelo diferenciado

Depois de Sergipe abrir a nova rodada de leilões em 2024, Rondônia, Paraíba, Pará e Pernambuco também devem realizar suas concessões. Minas, através da Copanor, que atende norte e nordeste do estado, e Amapá devem promover os certames em 2025.

As datas dos demais leilões ainda serão definidas. Os modelos em estruturação preveem concessão total ou parcial dos serviços, além das PPPs, quando o setor público assume parte dos investimentos e custeio.

Por enquanto, não há modelo semelhante ao da Sabesp, a companhia de saneamento de São Paulo que o governador Tarcísio de Freitas quer fortalecer com a privatização. A oferta de novas ações na Bolsa vai tirar do estado a condição de acionista majoritário. Esse modelo é cogitado para a Copasa, de Minas, que também já tem capital aberto, mas isso ainda não foi definido pelo governador Romeu Zema.

— Pelo volume de investimentos na Sabesp, o modelo de privatização é mais voltado ao mercado de capitais — observa Soares Neto, da Abcon Sindcon. — Mas isso não significa que grandes operadoras não possam entrar em consórcios com fundos (na privatização da Sabesp), como aconteceu no caso da Corsan, vendida em dezembro de 2022 num lote único de ações, em que a Aegea formou um consórcio com os fundos Knea e Perfin.

Preocupação com reforma

O dirigente observa que o setor está preocupado com os efeitos da Reforma Tributária, que, segundo ele, poderia elevar a tributação atual de 9% para 27%, possível alíquota do futuro imposto sobre valor agregado proposto.

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Por isso, o segmento quer ser incluído entre as exceções da reforma, que tramita no Senado. Se isso não acontecer, ele avalia que os contratos de concessão em vigor teriam que ser reajustados em 18%, afetando as tarifas, para compensar a alta na tributação sem comprometer os investimentos previstos:

— Se o setor tiver que pagar a alíquota máxima, os investimentos serão inibidos.

Na semana passada, o deputado Aguinaldo Ribeiro, (PP-PB), relator do texto aprovado na Câmara, disse que, por se tratar de serviço público, o saneamento pode ter alíquota zero, mas o setor quer que isso fique claro no texto da proposta de emenda constitucional.

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