Falha na comunicação entre os neurônios antes do processo neurodegenerativo pode estar ligada ao surgimento da doença de Parkinson, indica pesquisa americana. Problema ocorre devido a mutação genética que interfere no controle dos movimentos – (crédito: Reprodução/Freepik/rawpixel.com)
A degeneração dos neurônios dopaminérgicos, que produzem e liberam dopamina, é comumente aceita como o primeiro evento que leva à doença de Parkinson. No entanto, um estudo da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, sugere que uma complicação anterior e ligada ao mesmo neurotransmissor pode desencadear a neurodegeneração característica da patologia. Trata-se de uma disfunção na comunicação (sinapses) entre os neurônios, causada por uma mutação genética, que leva a deficits de dopamina. Para os cientistas, a descoberta pode contribuir para a criação de tratamentos mais eficazes.
Segundo o estudo, o Parkinson acomete entre 1% e 2% da população e é caracterizado por tremor durante repouso, rigidez e lentidão de movimentos. Esses sintomas motores são devidos à perda progressiva de neurônios dopaminérgicos no mesencéfalo, uma parte do cérebro. “Na pesquisa, mostramos que as sinapses dopaminérgicas se tornam disfuncionais antes que ocorra a morte neuronal. Com base nessa descoberta, levantamos a hipótese de que direcionar as sinapses disfuncionais antes que os neurônios sejam degenerados pode representar uma melhor estratégia terapêutica”, afirma, em nota, Dimitri Krainc, da Escola de Medicina Feinberg da universidade e coautor do trabalho.
Bruno Burjaili, neurocirurgião e especialista em Parkinson, explica que, em função da doença, há uma redução do número de neurônios que produzem dopamina em uma região cerebral. Então, parte da informação que essas células conduziriam fica perdida. “É como se algumas pessoas que enviassem cartas com informações importantes desaparecessem, e, por isso, as poucas que sobrassem não conseguiriam enviar cartas o suficiente para a notícia chegar a tempo”, ilustra.
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Conforme o artigo, já é conhecido que os genes Parkin e Pink1 são essenciais para a mitofagia, uma espécie de reciclagem ou remoção de mitocôndrias — estruturas celulares — que não estão funcionando bem. Em condições normais, a Pink 1 sinaliza para a Parkin quando há mitocôndrias para serem eliminadas. No entanto, se houver mutações significativas nos dois genes, a comunicação entre eles falha, e a mitofagia não acontece da maneira adequada. Estudos anteriores mostram que esse problema está diretamente relacionado ao desenvolvimento do Parkinson.
Na nova pesquisa, a equipe descobriu que apenas uma leve alteração no Parkin poderia levar ao quadro. Para chegar à conclusão, eles observaram o caso de gêmeas idênticas que tiveram a doença, sendo que uma foi diagnosticada aos 16 anos e outra, aos 48. Ambas nasceram sem o gene Pink 1. Porém, a que recebeu o diagnóstico mais cedo também apresentava perda parcial do Parkin — o que, por si só, não deveria causar a doença.
Prevenção
Ao investigar melhor o caso, o grupo percebeu que o gene tem outro trabalho importante e até então desconhecido. O Parkin também funciona, em uma via diferente no terminal sináptico, controlando a liberação de dopamina. Dessa forma, concluiu-se que a disfunção nas sinapses levou a deficits do neurotransmissor e precedeu a neurodegeneração.
A partir daí, os cientistas viram uma oportunidade para aumentar a atividade do Parkin e o potencial para prevenir a degeneração dos neurônios dopaminérgicos. “Agora, precisamos desenvolver medicamentos que estimulem essa via, corrijam a disfunção sináptica e, esperançosamente, previnam a degeneração neuronal no Parkinson”, indica, em nota, Dimitri Krainc.
Burjali destaca a relevância do trabalho. “Ele sugere que não apenas o número de neurônios que produzem dopamina é afetado, mas também como essa dopamina é controlada na sinapse. Não é apenas uma questão de quantas pessoas enviariam cartas com informações, mas também de os carteiros não estarem trabalhando bem e, por isso, as cartas demorarem mais a chegar” diz. “Se confirmarmos essa hipótese, do ponto de vista prático, ela poderia abrir caminho para a descoberta de novos exames e tratamentos. Os tratamentos atuais são muito focalizados em aumentar a dopamina na sinapse. Agora, a nova ideia seria otimizar o controle dessa dopamina — ou seja, melhorar o trabalho dos carteiros.”
Palavra de especialista: Conexões essenciais
“As sinapses dopaminérgicas são conexões entre neurônios que utilizam a dopamina como neurotransmissor. Essas sinapses são essenciais para o controle dos movimentos, da motivação, da formação de hábitos, da disposição e do humor. Na doença de Parkinson, ocorre uma degeneração progressiva das células produtoras de dopamina em uma região do cérebro chamada substância negra. Isso resulta em uma diminuição na quantidade de dopamina disponível nas sinapses dopaminérgicas, causando sintomas como tremores, rigidez muscular e dificuldade de movimento. Essas sinapses dopaminérgicas existem em vários circuitos neuronais e desempenham um papel importante em outros adoecimentos, como na esquizofrenia. As disfunções dos receptores e da regulação dopaminérgica dependem de vários mecanismos, muitos dos quais ainda desconhecidos. Quanto mais se sabe sobre o processo, mais fácil se torna a identificação precoce e, inclusive, o desenvolvimento de novos fármacos ou tratamentos.”
Anibal Okamoto Júnior, psiquiatra do Instituto Meraki Saúde Mental, em Brasília