Em dez anos, Brasil importou mais de 56 mil toneladas de resíduos sólidos, enquanto níveis de reaproveitamento de materiais gerados no país segue aquém do necessário
O crescente índice de importação de resíduos sólidos importados para o Brasil expõe, para entidades consultadas pela CNN, a necessidade de se implementar estímulos à economia circular no país.
Estes incentivos teriam como objetivo corrigir uma distorção, em que comprar resíduos de outros países ou extrair materiais virgens da natureza é mais barato para as empresas do que adquirir ou processar resíduos.
Um exemplo prático está na cadeia de reciclagem de vidro: a cervejaria Heineken estimula através de projetos como o “Volte Sempre” o reaproveitamento de materiais. Este movimento ocorre, porém, em cenário sem estímulos para esta prática com empresas concorrentes optando por caminhos menos sustentáveis mais baratos.
“É consternante o fato de o Brasil ter uma alta importação de resíduos sólidos enquanto o país ainda patina em gerenciar os resíduos gerados dentro do seu território”. A fala é de Fabricio Soler, gestor do Instituto Brasileiro de Resíduos.
De 2011 e 2021, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o Brasil importou mais de 56 mil toneladas de resíduos sólidos — sendo que de 2019 a 2022, os volumes de resíduos de outros países transportados ao Brasil registrou alta.
No período indicado, as compras externas de resíduos de papel e vidro subiram, respectivamente, 109,4% e 73,3%. Enquanto isso, o ingresso de resíduos plásticos no Brasil avançou 7,2%.
Números da WWF indicam que o Brasil é o quarto país que mais gera poluição plástica no mundo, sendo que sua contribuição na produção de plástico mundial fica em torno de 5%. Cerca de 12 milhões de toneladas de resíduos plásticos são importados pelo país todos os anos.
Em 2023, o governo federal elevou as alíquotas do Imposto de Importação para estes resíduos para 18% — até então, papel e vidro eram isentos da taxa, enquanto os plásticos eram taxados em 11,2%. A ideia era desincentivar a importação e dar estímulo a práticas de economia circular.
Para Roberto Rocha, presidente da Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT), a medida, porém, não é suficiente, frente às necessidades das cadeias de reciclagem do país e a proeminência das mudanças climáticas que atingem o planeta.
“A ANCAT defende a importação zero, não deveria existir importação num país rico em geração de resíduos. Ainda há muitos caminhos para reaproveitar resíduos, precisamos ter políticas mais severas para não haver mais importação e aquecer a reciclagem no país”, defende.
Fabricio Soler classifica a elevação da alíquota de importação como positiva, mas pede novos incentivos à economia circular. O especialista sugere a desoneração de cadeias de processamento, a fim de que o reaproveitamento de resíduos se tornem competitivos com a extração de materiais virgens e com a importação.
Movimento privado
Os especialistas consultados pela CNN não se detiveram à necessidade de o governo agir para garantir a competitividade da economia circular, mas também indicam a necessidade de que as empresas se movimentem de maneira independente em prol de práticas ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla em português).
A Heineken anunciou em 2022 compromisso para neutralizar as emissões de carbono em toda a sua cadeia de valor até 2040 — através de iniciativas como o “Volte Sempre”, estimula a reciclagem de vidro com máquinas de coleta.
Até o momento, o projeto arrecadou 563 Toneladas de vidro, evitando que 676 Toneladas de matéria-prima virgem fossem serem extraídas do meio ambiente, o que economizou 425 m³ de espaço em aterros sanitários e impediu 265 Toneladas de CO2 de serem lançadas na atmosfera.
A Ambiental, unidade de negócios da JBS com foco em economia circular, conquistou três premiações no Troféu Roberto Hiraishi 2024 por iniciativas em economia sustentável. Uma delas diz respeito a iniciativa que transforma resíduos plásticos descartados na agricultura em embalagens para armazenamento e transporte de insumos agrícolas.
A fim de estimular outros entes da sociedade a seguirem caminhos semelhantes, Roberto Rocha afirma que é necessário que se garanta a aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PRNS), criada em 2010.
Soler, além de reiterar a necessidade de aplicação da PNRS, indica que, em meio à proeminência do debate sobre mudanças climáticas — como com as chuvas no Rio Grande do Sul —, o momento se torna oportuno para aprovar a Política Nacional de Economia Circular (PNEC), que está no Congresso Nacional na forma do PL 1874 de 2022.
Publicado por Danilo Moliterno.